O anos de 1830 e de 1904 marcam o nascimento e a morte de duas figuras emblemáticas da arte e da ciência do século XIX: de um lado, o fotógrafo anglo-americano Eadweard James Muybridge e do outro o fisiologista francês Éttiene-Jules Marey. Quando se conheceram aos 51 anos de idade, se deu um explosivo encontro entre arte-tecnologia com a ciência experimental e o resultado dessa combinação criou fundamentos para a criação do cinema.
Entre pássaros e cavalos – Muybridge, Marey e o Pré-Cinema, é uma biografia dupla que narra a vida desses dois personagens às vésperas do lançamento do cinematógrafo, no ano de 1895. Esta data, é frequentemente reconhecida como o surgimento do cinema, mas hoje se sabe que este não foi um feito isolado e seu deu graças ao trabalho de um grupo de pesquisadores internacionais dentre os quais se destacam Muybridge e Marey. Eles foram importantes personagens do período chamado de pré-cinema, e são associados como sendo os responsáveis por promover avanços notáveis para a fotografia tendo produzido os primeiros filmes da história.
O livro conduz o leitor à duas viagens independentes. Tirando proveito das sincronias de idades de seus personagens, o texto narra em paralelo a vida desses dois homens orientado pelos aspectos profissionais de suas carreiras. Os capítulos se interpolam em cenários paradigmáticos do século XIX: ora em São Francisco, cidade onde Muybridge escolheu para viver no “tempo do velho oeste”, e ora em Paris, epicentro da ciência e cultura na Belle Époque, por onde Marey circulava com desenvoltura. A estrutura alternada do livro dá a possibilidade de escolha, a leitura pode acompanhar o relato de cada personagem independente ou se dar através do conjunto alternado.
A leitura de Entre Pássaros e Cavalos propõem uma visão abrangente do contexto de formação da técnica cinematográfica no século XIX. O ponto de partida está na década de 1830, quando uma série de dispositivos para estudos da visão foram criados. Neste período, surgiu a fotografia (1839), a experiência 3D do estereoscópio (1833) e os objetos cinéticos como o zootrópio (1835). Marey e Muybridge vão se incorporar à história pré-cinematográfica entre 1870 e 90 e farão os principais aprimoramentos para que a fotografia em vidro se repousasse sobre uma película de celulóide.
As biografias de Muybridge e Marey quando postas lado a lado, evidenciam a interferência que tiveram não somente na história das mídias do século XIX, mas também na constituição do mundo moderno. Marey e Muybridge estão intimamente ligados aos processos de transformação social e modernização que marcam o período de apogeu desenvolvimentista da revolução industrial. A influência de seus trabalhos extrapolou os limites da arte e ciência se inscrevendo dentro do contexto da produtividade mecânica. Em última instância, os pássaros e cavalos que dão nome ao título do livro, representam o desejo do homem de dominar o mundo real, seja por terra ou pelos ares, e não por acaso o trabalho de ambos servirá para as pesquisas posteriores quando da invenção de carros e aviões.
Apesar do reconhecimento dos trabalhos de Muybridge e Marey, e das inúmeras publicações e estudos lançados sobre eles no exterior, eles ainda permaneciam inéditos no Brasil. Entre Pássaros e Cavalos é o primeiro livro em língua portuguesa sobre ambos os personagens. Ricamente ilustrado, o livro conta com mais de 200 imagens reunindo um dos mais fascinantes acervos da história da fotografia. Além disso, uma série de vídeos especialmente produzidos por Benedetti acompanham a leitura. O autor, que é um videoartista, visitou o acervos na França e Inglaterra onde coletou imagens e fez entrevistas. Os vídeos são acessados por QR Code (fig. ao lado) podendo ser assistidos em celulares, tablets ou computadores e contam com a participação de especialistas como Stephen Herbert, Marta Braun e especialmente Laurent Mannoni, diretor técnico e científico da Cinemateca Francesa.
REPERCUSSÃO DA CRÍTICA
IMPRENSA E INTERNET
RÁDIO CULTURA
REVISTA ZUM
PONTOS DE DESTAQUE DO LIVRO
A despeito de serem bem difundidas, as vidas e obras de Marey e Muybridge ainda guardam lacunas que veem sendo descobertas o que cria condições para que paire sobre eles certas histórias e lendas que seguem sendo propagadas.
NÃO SÃO CINEASTAS
É um erro afirmar que Muybridge ou Marey foram cineastas. Eles foram pioneiros em promover a decomposição fotográfica de uma ação no tempo, mas falharam na tentativa de reproduzir suas sequências na forma de filmes. Todos os filminhos de Muybridge ou Marey que vemos hoje em dia, são na verdade reconstituições de suas fotografias feitas por terceiros depois que morreram. Em vida, tanto Muybridge quanto Marey jamais viram suas sequências animadas do modo que muitas vezes assistimos na internet, em exposições sérias ou em documentários de boa procedência. O legado que deixaram para a história do pré-cinema foi o de conseguir fazer o registro do movimento e não a reprodução do movimento.
A QUESTÃO DA APOSTA
Não deixa de ser raro de ouvir que as fotografias sequenciadas de Muybridge foram motivadas para servir de prova para uma aposta. O dilema em questão seria se um cavalo retirava ou não as quatro patas do chão durante o galope. Ainda não foi encontrado nenhum documento que comprove essa versão e, além disso, hoje se sabe que no momento em que as fotografias foram realizadas por Muybridge, Marey já havia demonstrado a resposta correta. Em seu livro A Máquina Animal de 1873, Marey publicou os estudos comprobatórios sobre as diversas questões sobre o movimento dos animais, incluindo o dilema das quatro patas dos cavalos. Muybridge chegou a afirmar que o trabalho de Marey havia motivado o seu empenho em fotografar cavalos, e portanto é praticamente improvável que uma aposta tenha motivado essa questão.
O MISTÉRIOS DOS FIOS DE MUYBRIDGE
Quando desafiado a fotografar cavalos em alta velocidade, Muybridge teve uma ideia pouco criativa, mas eficiente. Resolveu enfileirar uma série de câmeras fotográficas lado a lado e fazer com que fotografassem ordenadamente. Para cada câmera clicar no momento exato, amarrou um fio elétrico em cada uma delas de modo que cruzassem a pista por onde o cavalo iria cruzar e a medida que rompesse cada fio um sinal elétrico era enviado para a câmera afim fazer o registro. A descrição dessa técnica foi amplamente divulgada por Muybridge em vida e reproduzida por todas os estudos e pesquisas sobre ele. No entanto, um pergunta simples jamais foi feita: aonde estão os fios nas fotografias? Sugestões para essa resposta você pode encontrar no sexto vídeo do livro.